sexta-feira, 28 de março de 2008

Filhotes de jaguatirica são primeiros animais silvestres nascidos de embrião congelado em barriga de aluguel

SÃO PAULO - Nasceram em São Paulo os primeiros filhotes de proveta de animais selvagens, gerados em 'barriga de aluguel'. Os embriões estavam congelados há cinco anos e foram implantados no útero de duas fêmeas que não foram doadoras dos óvulos. Os filhotes nasceram há dois meses.
O feito foi da Associação Mata Ciliar, uma das poucas ONGs do país especializada em felinos. Um casal de filhotes passa bem. Os dois nasceram de parto natural, da mesma mãe de aluguel. O terceiro, um macho, nasceu de cesariana e não pode ser cuidado pela mãe. Ele está doente e não há certeza se vai sobreviver.
O congelamento de embriões de animais em risco de extinção pode ser uma solução para preservação de espécies. A veterinária Cristina Harumi Adania, coordenadora de fauna da Associação Mata Ciliar, explica que a desafio de sobrevivência dos felinos ocorre na natureza e também por falta de cativeiros. Na natureza, os felinos sofrem com o desmatamento e até mesmo com a mudança no curso de rios, que tira deles a água necessária à sobrevivência. Não há também espaço disponível em cativeiro. Em São Paulo, eles estão lotados. Não há como inserir os animais novamente em seu habitat - simplesmente porque eles praticamente inexistem. Em São Paulo, a Associação Mata Ciliar estima que cerca de mil felinos vivam hoje em cativeiro.
- Só há matas na região no Pantanal e da Amazônia. Não podemos soltá-los em áreas preservadas do estado. Eles são grande predadores e correríamos o risco de, para salvar uns, interferir no ecossistema e matar muito mais de outras espécies - explica Cristina.
" Os animais sofrem porque não podem ficar na natureza e nem tem lugar para eles em cativeiro "
O Brasil tem grande importância para a manutenção da fauna de felinos no mundo. De acordo com dados da Mata Ciliar, são 37 espécies de felinos no mundo, sendo 10 neo-tropicais, encontradas apenas na faixa entre a América Central e a América do Sul. Destas 10, oito estão presentes no Brasil.
Das oito espécies registradas no Brasil, duas são de grande porte - a onça pintada e a onça parda ou puma. A jaguatirica é a maior entre os felinos de pequeno porte. Os demais encontrados no país são o gato maracajá, o gato do mato pequeno, o gato palheiro, o gato mourisco e o gato do mato grande.
- Estão todas ameaçadas de extinção, mas em graus diferentes - conta Cristina.
A veterinária afirma que os zoológicos aceitam, no máximo, um casal destes felinos de pequeno porte para exposição. Além de recinto adequado, eles são carnívoros, o que torna o custo de manutenção alto.
Para os felinos de grande porte, a situação é ainda mais complicada. Se soltas novamente em áreas de matas próximas a cidades, onde viviam até o momento da captura - muitas vezes elas são achadas em rodovias ou acabam entrando em casas nas periferias das cidades - elas podem morrer ou matar alguém. Em cativeiro, o espaço é ainda mais disputado. Um único exemplar macho de onça pintada precisa de 50 quilômetros quadrados para viver com dignidade.
- Não temos mais áreas como estas. Os animais sofrem porque não podem ficar na natureza e nem tem lugar para eles em cativeiro. É um absurdo - diz Cristina.
Para a sobrevivência da espécie, os felinos precisam se reproduzir em cativeiro. Veio da limitação de espaço para criar a prole a idéia de congelar embriões e fazer a reprodução assistida.
- Se tivermos os embriões congelados, não precisamos ficar reproduzindo animais em cativeiro. E os que estão aqui terão bem estar e qualidade até o final da vida - afirma a veterinária.
Na natureza, os felinos se reproduzem em maior número, mas vivem no máximo oito a nove anos. Em cativeiro, eles vivem até 18 anos. E viver mais representa ocupar lugar por mais tempo e, em muitos casos, ter ultrapassado a idade de reprodução.
- Eles estão envelhecendo em cativeiro, muitos sem potencial reprodutivo. Se não tomar atitude agora, não tem como assegurar a sobrevivência da espécie - preocupa-se Cristina.
A ONG Mata Ciliar é uma das poucas que trabalham também na reconstrução de habitats. Localizada no pé da Serra do Japi, em Jundiaí, a ONG cuida ainda de animais vítimas do tráfico, retirados de seu habitat natural, e muitos atropelados em estradas.
Os animais são enviados pela Polícia Ambiental. Vai o bicho, mas não vai dinheiro para cuidar delas. Nesta quarta-feira, a Associação Mata Ciliar recebeu três filhotes de jaguatirica achados num canavial na cidade de Araras, a 166 km de São Paulo . Cristina assustou-se quando começou a se espalhar a notícia de que eram onças pardas.
- Não tenho espaço para onças pardas agora. Me disseram que eram jaguatiricas - afirmou, acrescentando que filhotes de onças pardas tem pintas quando nascem, o que pode gerar a confusão. Por sorte, dela e dos filhotes, eram jaguatiricas mesmo.
A Mata Ciliar obtém recursos, segundo Cristina, com projetos de educação ambiental e de recuperação de áreas verdes. Cristina fez um pedido que não é comum ao O Globo Online atender: divulgar o site da instituição. O objetivo é conseguir parceria para obter uma nova área de cativeiro para atender aos "sem-floresta": Associação Mata Ciliar , telefone XX-11-4815.5777.
Publicada em 12/03/2008 às 12h35mCleide Carvalho, O Globo Online

Nenhum comentário: